Capítulo 53 Meta-análise


53.1 Características


53.1.1 O que é meta-análise?

  • Meta-análise é um método estatístico que combina quantitativamente os resultados de múltiplos estudos independentes sobre uma mesma questão de pesquisa, aumentando o poder estatístico e a precisão das estimativas de efeito.426

  • Meta-análise sintetiza evidências considerando o peso de cada estudo (geralmente inversamente proporcional à variância) e permite avaliar a consistência dos resultados, identificar fontes de heterogeneidade e estimar um efeito global.426


53.2 Modelos de meta-análise


53.2.1 Quais são os principais modelos de meta-análise?

  • Modelo de efeitos fixos: assume que todos os estudos avaliam o mesmo efeito verdadeiro, e a variação observada é apenas devido ao erro de amostragem. É adequado quando os estudos são homogêneos e as diferenças entre eles são pequenas.426

  • Modelo de efeitos aleatórios: assume que os estudos avaliam efeitos verdadeiros diferentes, com uma distribuição normal. É mais apropriado quando há heterogeneidade entre os estudos, pois considera a variação entre eles além do erro de amostragem.426

  • Modelo de efeitos de rede: estende a meta-análise para comparar múltiplas intervenções simultaneamente, mesmo que não tenham sido comparadas diretamente em estudos. É útil para avaliar a eficácia relativa de várias intervenções.REF?





Comparação entre modelos de efeito fixo e aleatório com 10 ensaios clínicos simulados.

Figura 53.1: Comparação entre modelos de efeito fixo e aleatório com 10 ensaios clínicos simulados.


53.3 Conversão de Medidas em Meta-análises


53.3.1 O que fazer quando os estudos apresentam resultados com diferentes parâmetros?


  • Quando os estudos reportam médias e desvios-padrão, os dados podem ser usados diretamente na metanálise.REF?

  • Quando apresentam mediana e intervalo interquartil (ou mínimo–máximo), existem métodos estatísticos para converter em média e DP.430

  • Hozo et al. (2005) propuseram fórmulas para estimar a média e o desvio-padrão a partir da mediana, amplitude e tamanho da amostra.430

  • Wan et al. (2014) aperfeiçoaram essas estimativas, oferecendo métodos mais precisos para converter mediana e IQR em média e DP.431



53.4 Interpretação de efeitos em meta-análise


53.4.1 Como avaliar a variação do tamanho do efeito?

  • O intervalo de predição contém informação sobre a variação do tamanho do efeito.432

  • Se o intervalo de predição não contém a hipótese nula (\(H_{0}\)), podemos concluir que (a) o tratamento funciona igualmente bem em todas as populações, ou que ele funciona melhor em algumas populações do que em outras.432

  • Se o intervalo de predição contém a hipótese nula (\(H_{0}\)), podemos concluir que o tratamento pode ser benéfico em algumas populações, mas prejudicial em outras, de modo que a estimativa pontual (geralmente a média) torna-se amplamente irrelevante. Nesse caso, é recomendado investigar em que populações o tratamento seria benéfico e em quais causaria danos.432


53.4.2 Como avaliar a heterogeneidade entre os estudos?

  • A heterogeneidade — variação não-aleatória — no efeito do tratamento entre os estudos incluídos em uma meta-análise pode ser avaliada pelo \(I^{2}\) (53.1).432,433

\[\begin{equation} \tag{53.1} I^{2} = \max \left( 0, \frac{Q - df}{Q} \right) \times 100\% \end{equation}\]


  • \(I^{2}\) representa qual proporção da variância observada reflete a variância nos efeitos verdadeiros em vez do erro de amostragem.432

  • \(I^{2}\) mede a proporção da variância total que pode ser atribuída à heterogeneidade entre os estudos incluídos.433

  • \(I^{2}\) não depende da quantidade de estudos incluídos na meta-análise. Entretanto, \(I^{2}\) aumenta com a quantidade de participantes incluídos nos estudos meta-analisados.433

  • A heterogeneidade entre estudos é explicada de modo mais confiável utilizando dados de pacientes individuais, uma vez que a direção verdadeira da modificação de efeito não pode ser observada a partir de dados agregados no estudo.434




53.5 Interpretação do forest plot


53.5.1 O que é um forest plot?

  • Um forest plot é uma representação gráfica dos achados de uma meta-análise. Ele resume os resultados de estudos individuais e apresenta uma estimativa combinada do efeito, permitindo interpretação visual da magnitude, direção e significância estatística dos resultados.435


Forest plot de uma meta-análise de efeito fixo com 10 ensaios clínicos simulados.

Figura 53.2: Forest plot de uma meta-análise de efeito fixo com 10 ensaios clínicos simulados.


Forest plot de uma meta-análise de efeito aleatório com 10 ensaios clínicos simulados.

Figura 53.3: Forest plot de uma meta-análise de efeito aleatório com 10 ensaios clínicos simulados.


53.5.2 Quais são as seis colunas básicas que um forest plot geralmente apresenta?

  • As seis colunas básicas incluem: estudos incluídos (e subgrupos, se analisados); dados do grupo de intervenção, dados do grupo controle; peso de cada estudo; medida numérica do efeito; representação gráfica do efeito.435


53.5.3 Como diferenciar um desfecho binário de um contínuo em um forest plot?

  • Em desfechos binários, são mostrados número de eventos e total da amostra, sendo o efeito medido por risk ratio (\(RR\)) ou odds ratio (\(OR\)).435

  • Em desfechos contínuos, apresentam-se médias, desvios-padrão e tamanhos amostrais, com o efeito medido pela diferença de médias.435


53.5.4 O que representa o ponto central da caixa e o tamanho desta no gráfico?

  • O ponto central indica a estimativa pontual do efeito (melhor estmativa para o efeito real).435

  • O tamanho da caixa é proporcional ao peso do estudo na meta-análise, geralmente maior para estudos com amostras maiores.435


53.5.5 Qual é o significado da linha vertical do “nenhum efeito”?

  • É a linha de referência que indica efeito nulo.435

  • Para desfechos binários, corresponde ao valor 1 (\(RR\) ou \(OR\) = 1).435

  • Para desfechos contínuos, corresponde ao valor 0 (diferença de médias = 0).435

  • Se o intervalo de confiança de um estudo ou do resultado combinado cruza essa linha, o resultado não é estatisticamente significativo.435


53.5.6 Como interpretar o diamante na parte inferior do forest plot?

  • O diamante representa o efeito combinado dos estudos incluídos.435

  • O ponto central do diamante é a estimativa global.435

  • A largura do diamante representa o intervalo de confiança de 95% para o efeito combinado.435


53.5.7 Como a heterogeneidade pode ser avaliada no forest plot?

  • A variabilidade nos resultados dos estudos incluídos é avaliada pela sobreposição dos intervalos de confiança dos estudos; pelo teste do qui-quadrado (\(\chi^2\)) e pelo valor de \(I^{2}\).435


53.5.8 Quais são as interpretações usuais para os valores de \(I^{2}\)?

  • 0% a 40%: pode não ser importante; 30% a 60%: heterogeneidade moderada; 50% a 90%: heterogeneidade substancial; 75% a 100%: heterogeneidade considerável.435


Forest plots ilustrativos para faixas usuais de $I^2$.

Figura 53.4: Forest plots ilustrativos para faixas usuais de \(I^2\).


53.6 Viés de publicação em meta-análises


53.6.1 O que é viés de publicação?

  • O viés de publicação ocorre quando estudos com resultados não significativos ou contrários à hipótese tendem a não ser publicados, afetando a estimativa final da meta-análise e podendo levar a conclusões incorretas.436


53.6.2 Quais métodos podem ser usados para identificar viés de publicação?

  • O método mais simples é o funnel plot, que representa a estimativa de efeito de cada estudo em função de sua precisão (\(1/SE\)).437

  • Na ausência de viés, espera-se uma distribuição simétrica (“forma de funil”). Assimetria pode indicar viés de publicação, heterogeneidade entre estudos ou efeitos de tamanho de estudo (small-study effects).437

  • Para odds ratios (\(OR\)), a correlação entre \(ln(OR)\) e seu erro padrão pode gerar assimetria mesmo sem viés, por isso recomenda-se, nesses casos, plotar em função do tamanho amostral.438


53.6.3 O que é um gráfico de funil (funnel plot)?

  • É um gráfico de dispersão que relaciona a estimativa de efeito de cada estudo com uma medida de seu tamanho ou precisão (por exemplo, erro-padrão no eixo vertical, em escala invertida). Em condições ideais (ausência de viés e heterogeneidade), os estudos se distribuem de forma simétrica, formando um “funil invertido”.439


Gráficos de funil simulados com baixa e alta heterogeneidade.

Figura 53.5: Gráficos de funil simulados com baixa e alta heterogeneidade.


53.6.4 A assimetria do funnel plot indica sempre viés de publicação?

  • Viéses de relato (reporting biases), como viés de publicação, viés de linguagem ou de citação.439

  • Diferenças metodológicas entre estudos pequenos e grandes.439

  • Heterogeneidade verdadeira (diferença real no efeito conforme o tamanho ou o contexto do estudo).439

  • Artefatos estatísticos ou mero acaso.439


53.6.5 O que é trim and fill?

  • O método trim and fill “apara” (trim) os estudos que causam assimetria no funnel plot, estima o número de estudos possivelmente ausentes (não publicados) e “preenche” (fill) o gráfico com esses estudos simulados, recalculando o efeito combinado.440

  • O método assume que a assimetria é causada unicamente por viés de publicação, podendo levar a conclusões equivocadas quando há outras causas, como heterogeneidade.440


53.6.6 O que é o teste de Egger?

  • É um teste estatístico amplamente utilizado que avalia a relação entre o efeito padronizado (\(efeito/SE\)) e a precisão (\(1/SE\)).437

  • No entanto, para meta-análises com \(OR\), apresenta taxas de erro tipo I excessivas, especialmente quando o efeito é grande ou há alta heterogeneidade.438


53.6.7 O que é o teste de Peters?

  • Uma regressão linear ponderada com \(ln(OR)\) como variável dependente e o inverso do tamanho total da amostra como variável independente (modificação do teste de Macaskill).438

  • Essa abordagem reduz a correlação entre \(ln(OR)\) e seu \(SE\), resultando em taxas de erro tipo I mais adequadas (~10%) independentemente do tamanho do efeito, número de estudos ou heterogeneidade.438

  • O teste de Peters é preferível ao teste de Egger quando o desfecho é expresso como OR, pois mantém taxas de erro tipo I adequadas e ainda apresenta poder comparável para detectar viés em condições de baixa heterogeneidade.438

  • Em casos de alta heterogeneidade, o teste de Egger pode apresentar maior poder, mas sua alta taxa de falsos positivos compromete a interpretação.438


53.6.8 Quais são as recomendações para testar a assimetria?

  • Evitar testes quando há menos de 10 estudos, devido ao baixo poder estatístico.439

  • Inspecionar visualmente o funnel plot junto com os resultados dos testes.439

  • Para desfechos contínuos (diferença de médias), o teste de Egger pode ser usado.439

  • Para desfechos dicotômicos expressos como odds ratio (\(OR\)) com baixa heterogeneidade (\(\tau^2 < 0,1\)), considerar os testes de Harbord, Peters ou Rücker.439

  • Para desfechos dicotômicos expressos como odds ratio(\(OR\)) com alta heterogeneidade (\(\tau^2 > 0,1\)), o teste de Rücker com transformação \(arcsine\) é mais indicado.439


53.6.9 Como interpretar os resultados de testes de viés de publicação?

  • Um resultado não significativo não garante ausência de viés.438

  • Recomenda-se complementar com inspeção visual do funnel plot e considerar métodos adicionais como trim and fill.438,440

  • Quando há suspeita de viés, discutir as implicações e interpretar o efeito combinado com cautela.438



53.7 Diretrizes para redação


53.7.1 Quais são as diretrizes para redação de meta-análises?





Citar como:
Ferreira, Arthur de Sá. Ciência com R: Perguntas e respostas para pesquisadores e analistas de dados. Rio de Janeiro: 1a edição,


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