Capítulo 37 Análise causal


37.1 Causalidade


37.1.1 O que é análise causal?

  • Análise causal é usada para explicar a relação entre causa e efeito em um conjunto de dados, respondendo a perguntas do tipo “por quê?”.183

  • Análise causal implica em contrafactual, no sentido de que a análise causal é baseada na comparação entre o que realmente aconteceu e o que teria acontecido se uma ou mais variáveis tivessem sido diferentes.183


37.1.2 Quais os dois grandes tipos de causalidade?

  • Baseada em experiência: conhecimento empírico, muitas vezes sem compreensão dos mecanismos. Estatística tem papel central na causalidade baseada em experiência.300

  • Mecanicista: busca entender processos internos e mecanismos. Estatística tem seu papel ainda limitado, mas crescente, especialmente em sistemas complexos.300


37.2 Abordagens filosóficas e estatísticas da causalidade


37.2.1 O que é realidade causal?

  • A estatística assume tanto a presença do acaso quanto de causalidade. Entretanto, a natureza de cada um (se essencial ou apenas reflexo de ignorância) é raramente debatida.300


37.2.2 Por que estatísticos historicamente evitaram falar em causalidade?

  • Pearson e Fisher defenderam que estatística trata apenas de associação, não de causalidade, o que gerou cautela excessiva e paralisou avanços em áreas como economia e ciências sociais.300

  • Autores como Judea Pearl, Robins e Rubin trouxeram definições mais precisas, especialmente via modelos contrafactuais.300

  • O uso de ensaios clínicos randomizados consolidou o papel da estatística em inferência causal aplicada.300


37.3 Inferência causal em estudos observacionais


37.3.1 Como diferenciar associação de causalidade?

  • Associação descreve que duas variáveis variam juntas, mas não garante que uma afete a outra.301

  • Causalidade exige evidências (diretas ou indiretas) de que modificar a variável de exposição altera o desfecho.301


37.3.2 Quais critérios ajudam a sustentar inferência causal?

  • Existência de um mecanismo plausível.301

  • Controle adequado de confundidores (medidos e não medidos).301

  • Consistência com literatura prévia e plausibilidade do tamanho do efeito.301

  • Avaliação de alternativas explicativas (ex.: viés de seleção, mediadores não controlados).301


37.3.3 Qual o papel dos caminhos causais (DAGs)?

  • Ajudam a identificar quais variáveis precisam ser medidas e ajustadas.301

  • Evitam ajustes indevidos (ex.: em colisores), que podem introduzir viés.301


37.3.4 Como lidar com confundimento residual?

  • Reconhecer que modelos multivariados e escores de propensão não eliminam completamente o confundimento.301

  • Comparar características basais entre grupos para identificar diferenças persistentes.301

  • Considerar análises de sensibilidade, mas com cautela na interpretação.301


37.4 Critérios de Hill para inferência causal


37.4.1 Quais são os nove critérios?

  • Temporalidade: A exposição deve preceder o desfecho. Único critério considerado essencial por Hill.302

  • Força da associação: Associações mais fortes são mais prováveis de refletir causalidade.302

  • Consistência: A associação é observada em diferentes estudos, populações e contextos.302

  • Especificidade: Uma exposição leva a um efeito específico (embora nem sempre aplicável).302

  • Gradiente biológico (dose–resposta): Aumentos na exposição acompanham aumentos no risco.302

  • Plausibilidade biológica: Compatibilidade com o conhecimento científico da época.302

  • Coerência: A associação não deve contradizer a história natural ou biologia da doença.302

  • Evidência experimental: Reduções na exposição devem reduzir o risco observado.302

  • Analogia: Comparação com relações causais já conhecidas.302


37.4.2 Hill propôs um checklist rígido?

  • Nenhum critério, isoladamente, prova ou refuta causalidade. Devem ser usados como guias para reflexão científica, não como requisitos obrigatórios.302


37.5 Críticas contemporâneas aos critérios de Hill


37.5.1 Qual critério é indispensável?

  • A temporalidade: a exposição deve preceder o desfecho. Mesmo assim, observar uma ordem temporal inversa apenas invalida a hipótese em casos específicos, não em todos.303


37.5.2 A força da associação garante causalidade?

  • Não. Associações fortes podem ainda ser não-causais e associações fracas podem ser causais.303


37.5.3 A consistência é indispensável?

  • Não. A ausência de consistência não elimina causalidade, pois alguns efeitos só se manifestam em condições específicas (ex.: transfusão só causa HIV se o vírus estiver presente).303

  • A consistência ajuda apenas a afastar a hipótese de viés ou erro em um estudo isolado:contentReference.303


37.5.4 O critério da especificidade é válido?

  • Não. É considerado um critério inválido e enganoso. Uma causa pode ter múltiplos efeitos (tabagismo → vários desfechos) e um efeito pode ter múltiplas causas.303


37.5.5 O gradiente biológico (dose–resposta) é confiável?

  • Nem sempre. Pode ser distorcido por confundimento. A ausência de gradiente não invalida a causalidade.303


37.5.6 A plausibilidade e a coerência são objetivas?

  • Não. Ambas são fortemente dependentes do conhecimento científico da época. O que parecia implausível no passado (ex.: transmissão de tifo por piolhos) depois se confirmou como verdadeiro.303


37.5.7 Evidência experimental é decisiva?

  • Pode ser útil, mas raramente está disponível em epidemiologia. Mesmo quando disponível, pode ter explicações alternativas.303


37.5.8 Analogia é útil?

  • Tem pouco valor. Analogias podem sempre ser inventadas e, na prática, funcionam mais como fonte de hipóteses do que como prova.303


37.6 Visão atual sobre os critérios de Hill


37.6.1 Como os critérios de Hill foram revisitados?

  • Estudos recentes propõem integrá-los a três abordagens modernas: DAG (destacam estrutura causal e confundimento), modelos de causa suficiente (enfatizam multifatorialidade) e GRADE (orienta sobre a certeza da evidência em corpos de estudos).304


37.6.2 Quais mudanças na interpretação?

  • Temporalidade e experimentos: seguem centrais, mas analisados com mais sofisticação.304

  • Força da associação: relevante, mas não garante causalidade (pode haver confundimento).304

  • Consistência: pensada como transportabilidade entre populações.304

  • Especificidade: pouco útil hoje; substituída por falsificação (controles negativos).304

  • Dose–resposta: pode ser espúria, cautela é necessária.304

  • Coerência e analogia: utilidade limitada.304


37.7 Linguagem causal em estudos observacionais


37.7.1 Quais são as principais recomendações para relatar causalidade?

  • Usar termos causais de forma explícita e criteriosa (“causa”, “efeito”, “reduzir”, “aumentar”), evitando expressões ambíguas como “fator de risco”.301

  • Contextualizar a causalidade em termos práticos, explicando por que identificar a causa é relevante para intervenções.301

  • Declarar claramente na introdução se existe hipótese causal, justificando quando não houver.301

  • Descrever caminhos causais (mediadores, confundidores, colisores) em texto claro ou com diagramas.301

  • Justificar a seleção de covariáveis com base nas relações causais previstas.301

  • Avaliar o controle de confundimento, reconhecendo limitações e possível confundimento residual.301

  • Discutir as inferências causais considerando estimativas, vieses e plausibilidade biológica.301

  • Indicar recomendações específicas para pesquisas futuras ou prática clínica baseadas nas conclusões causais.301


37.8 Efeitos diretos e indiretos


37.8.1 Como distinguir efeitos diretos de indiretos?

  • Um efeito direto ocorre quando uma variável influencia outra sem mediação.300

  • Um efeito indireto acontece quando a influência é mediada por variáveis intermediárias.300


37.9 O papel do tempo e a causalidade dinâmica


37.9.1 O que é Granger–Schweder Causality?

  • É um conceito estatístico que analisa como processos passados influenciam o futuro, indo além da simples associação.300

  • Permite identificar relações direcionais entre processos ao longo do tempo (ex.: cérebro controlando contrações musculares).300

  • A estatística, nesse contexto, busca “olhar dentro da caixa”, aproximando-se de uma visão mecanicista.300


37.9.2 Por que o tempo é essencial na análise causal?

  • Processos causais não ocorrem de forma estática: efeitos diretos e indiretos se acumulam em cadeias temporais.300

  • Modelos tradicionais (ex.: regressões estáticas ou DAGs sem tempo) podem falhar em capturar a dinâmica.300

  • A integração de séries temporais e processos estocásticos é fundamental para compreender mecanismos.300


37.10 Diagrama acíclico direcionado (DAG)


37.10.1 O que são DAGs?

  • DAGs são representações gráficas de relações causais entre variáveis, usando nós (variáveis) e arestas direcionadas (relações causais).REF?

  • DAGs ajudam a identificar confundidores, mediadores e colisores, orientando a seleção de variáveis para ajuste em análises estatísticas.REF?

  • DAGs são acíclicos, ou seja, não permitem ciclos ou loops, refletindo a natureza unidirecional das relações causais.REF?


37.10.2 Quais são os padrões causais básicos?

  • Independência: duas variáveis não têm relação causal direta ou indireta.REF?

  • Cadeia: uma variável causa outra, que por sua vez causa uma terceira (X → M → Y).REF?

  • Garfo: uma variável causa duas outras (X ← Z → Y), onde Z é um confundidor.REF?

  • Colisor: duas variáveis causam uma terceira (X → Z ← Y), onde Z é um colisor.REF?





Padrões causais básicos: independência, cadeia, garfo e colisor.

Figura 37.1: Padrões causais básicos: independência, cadeia, garfo e colisor.



Citar como:
Ferreira, Arthur de Sá. Ciência com R: Perguntas e respostas para pesquisadores e analistas de dados. Rio de Janeiro: 1a edição,


Referências

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