Capítulo 22 Análise causal


22.1 Causalidade


22.1.1 O que é análise causal?

  • Análise causal é usada para explicar a relação entre causa e efeito em um conjunto de dados, respondendo a perguntas do tipo “por quê?”.204

  • Análise causal implica em contrafactual, no sentido de que a análise causal é baseada na comparação entre o que realmente aconteceu e o que teria acontecido se uma ou mais variáveis tivessem sido diferentes.204


22.1.2 Quais os dois grandes tipos de causalidade?

  • Baseada em experiência: conhecimento empírico, muitas vezes sem compreensão dos mecanismos. Estatística tem papel central na causalidade baseada em experiência.241

  • Mecanicista: busca entender processos internos e mecanismos. Estatística tem seu papel ainda limitado, mas crescente, especialmente em sistemas complexos.241


22.2 Abordagens filosóficas e estatísticas da causalidade


22.2.1 O que é realidade causal?

  • A estatística assume tanto a presença do acaso quanto de causalidade. Entretanto, a natureza de cada um (se essencial ou apenas reflexo de ignorância) é raramente debatida.241


22.2.2 Por que estatísticos historicamente evitaram falar em causalidade?

  • Pearson e Fisher defenderam que estatística trata apenas de associação, não de causalidade, o que gerou cautela excessiva e paralisou avanços em áreas como economia e ciências sociais.241

  • Autores como Judea Pearl, Robins e Rubin trouxeram definições mais precisas, especialmente via modelos contrafactuais.241

  • O uso de ensaios clínicos randomizados consolidou o papel da estatística em inferência causal aplicada.241


22.3 Ilusões de causalidade


22.3.1 O que são ilusões de causalidade?

  • Ocorrem quando acreditamos que há uma relação causal entre dois eventos que, na realidade, são independentes. São comuns em superstições, pseudociências e crenças do cotidiano.242


22.3.2 Quais fatores favorecem a ilusão?

  • Alta frequência do desfecho: quando o resultado ocorre frequentemente por acaso, as pessoas superestimam a eficácia da causa (ex.: melhora espontânea de sintomas atribuída a um tratamento).242

  • Alta frequência da causa: quanto mais vezes um comportamento ou tratamento é aplicado, mais coincidências com o desfecho ocorrem, aumentando a crença no efeito.242

  • Coincidências causa–desfecho: damos peso desproporcional a casos em que causa e efeito ocorrem juntos, mesmo que sejam apenas coincidências.242


22.3.3 Como reduzir ilusões de causalidade?

  • Ensinar princípios de controle científico, observando casos em que a causa está ausente (comparação necessária para detectar ausência de relação).242

  • Diminuir a frequência da causa (ex.: reduzir uso de um “remédio ineficaz” ajuda a perceber que o resultado ocorre independentemente).242

  • Instruções explícitas para testar hipóteses: orientar a aplicar a causa em apenas 50% das vezes favorece a detecção correta da ausência de efeito.242

  • Promover educação científica prática, mostrando às pessoas como seus próprios julgamentos podem ser enviesados e oferecendo ferramentas para avaliação crítica.242


22.4 Inferência causal em estudos observacionais


22.4.1 Como diferenciar associação de causalidade?

  • Associação descreve que duas variáveis variam juntas, mas não garante que uma afete a outra.243

  • Causalidade exige evidências (diretas ou indiretas) de que modificar a variável de exposição altera o desfecho.243


22.4.2 Quais critérios ajudam a sustentar inferência causal?

  • Existência de um mecanismo plausível.243

  • Controle adequado de confundidores (medidos e não medidos).243

  • Consistência com literatura prévia e plausibilidade do tamanho do efeito.243

  • Avaliação de alternativas explicativas (ex.: viés de seleção, mediadores não controlados).243


22.4.3 Qual o papel dos caminhos causais (DAGs)?

  • Ajudam a identificar quais variáveis precisam ser medidas e ajustadas.243

  • Evitam ajustes indevidos (ex.: em colisores), que podem introduzir viés.243


22.4.4 Como lidar com confundimento residual?

  • Reconhecer que modelos multivariados e escores de propensão não eliminam completamente o confundimento.243

  • Comparar características basais entre grupos para identificar diferenças persistentes.243

  • Considerar análises de sensibilidade, mas com cautela na interpretação.243


22.5 Critérios de Hill para inferência causal


22.5.1 Quais são os nove critérios?

  • Temporalidade: A exposição deve preceder o desfecho. Único critério considerado essencial por Hill.244

  • Força da associação: Associações mais fortes são mais prováveis de refletir causalidade.244

  • Consistência: A associação é observada em diferentes estudos, populações e contextos.244

  • Especificidade: Uma exposição leva a um efeito específico (embora nem sempre aplicável).244

  • Gradiente biológico (dose–resposta): Aumentos na exposição acompanham aumentos no risco.244

  • Plausibilidade biológica: Compatibilidade com o conhecimento científico da época.244

  • Coerência: A associação não deve contradizer a história natural ou biologia da doença.244

  • Evidência experimental: Reduções na exposição devem reduzir o risco observado.244

  • Analogia: Comparação com relações causais já conhecidas.244


22.5.2 Hill propôs um checklist rígido?

  • Nenhum critério, isoladamente, prova ou refuta causalidade. Devem ser usados como guias para reflexão científica, não como requisitos obrigatórios.244


22.6 Críticas contemporâneas aos critérios de Hill


22.6.1 Qual critério é indispensável?

  • A temporalidade: a exposição deve preceder o desfecho. Mesmo assim, observar uma ordem temporal inversa apenas invalida a hipótese em casos específicos, não em todos.245


22.6.2 A força da associação garante causalidade?

  • Não. Associações fortes podem ainda ser não-causais e associações fracas podem ser causais.245


22.6.3 A consistência é indispensável?

  • Não. A ausência de consistência não elimina causalidade, pois alguns efeitos só se manifestam em condições específicas (ex.: transfusão só causa HIV se o vírus estiver presente).245

  • A consistência ajuda apenas a afastar a hipótese de viés ou erro em um estudo isolado:contentReference.245


22.6.4 O critério da especificidade é válido?

  • Não. É considerado um critério inválido e enganoso. Uma causa pode ter múltiplos efeitos (tabagismo → vários desfechos) e um efeito pode ter múltiplas causas.245


22.6.5 O gradiente biológico (dose–resposta) é confiável?

  • Nem sempre. Pode ser distorcido por confundimento. A ausência de gradiente não invalida a causalidade.245


22.6.6 A plausibilidade e a coerência são objetivas?

  • Não. Ambas são fortemente dependentes do conhecimento científico da época. O que parecia implausível no passado depois se confirmou como verdadeiro.245


22.6.7 Evidência experimental é decisiva?

  • Pode ser útil, mas raramente está disponível em epidemiologia. Mesmo quando disponível, pode ter explicações alternativas.245


22.6.8 Analogia é útil?

  • Tem pouco valor. Analogias podem sempre ser inventadas e, na prática, funcionam mais como fonte de hipóteses do que como prova.245


22.7 Visão atual sobre os critérios de Hill


22.7.1 Como os critérios de Hill foram revisitados?

  • Estudos recentes propõem integrá-los a três abordagens modernas: DAG (destacam estrutura causal e confundimento), modelos de causa suficiente (enfatizam multifatorialidade) e GRADE (orienta sobre a certeza da evidência em corpos de estudos).246


22.7.2 Quais mudanças na interpretação?

  • Temporalidade e experimentos: seguem centrais, mas analisados com mais sofisticação.246

  • Força da associação: relevante, mas não garante causalidade (pode haver confundimento).246

  • Consistência: pensada como transportabilidade entre populações.246

  • Especificidade: pouco útil hoje; substituída por falsificação (controles negativos).246

  • Dose–resposta: pode ser espúria, cautela é necessária.246

  • Coerência e analogia: utilidade limitada.246


22.8 Linguagem causal em estudos observacionais


22.8.1 Quais são as principais recomendações para relatar causalidade?

  • Usar termos causais de forma explícita e criteriosa (“causa”, “efeito”, “reduzir”, “aumentar”), evitando expressões ambíguas como “fator de risco”.243

  • Contextualizar a causalidade em termos práticos, explicando por que identificar a causa é relevante para intervenções.243

  • Declarar claramente na introdução se existe hipótese causal, justificando quando não houver.243

  • Descrever caminhos causais (mediadores, confundidores, colisores) em texto claro ou com diagramas.243

  • Justificar a seleção de covariáveis com base nas relações causais previstas.243

  • Avaliar o controle de confundimento, reconhecendo limitações e possível confundimento residual.243

  • Discutir as inferências causais considerando estimativas, vieses e plausibilidade biológica.243

  • Indicar recomendações específicas para pesquisas futuras ou prática clínica baseadas nas conclusões causais.243


22.9 Efeitos diretos e indiretos


22.9.1 Como distinguir efeitos diretos de indiretos?

  • Um efeito direto ocorre quando uma variável influencia outra sem mediação.241

  • Um efeito indireto acontece quando a influência é mediada por variáveis intermediárias.241


22.10 O papel do tempo e a causalidade dinâmica


22.10.1 O que é causalidade de Granger?

  • É um conceito estatístico que analisa como processos passados influenciam o futuro, indo além da simples associação.241

  • Permite identificar relações direcionais entre processos ao longo do tempo (ex.: cérebro controlando contrações musculares).241

  • A estatística, nesse contexto, busca “olhar dentro da caixa”, aproximando-se de uma visão mecanicista.241


22.10.2 Por que o tempo é essencial na análise causal?

  • Processos causais não ocorrem de forma estática: efeitos diretos e indiretos se acumulam em cadeias temporais.241

  • Modelos tradicionais (ex.: regressões estáticas ou DAGs sem tempo) podem falhar em capturar a dinâmica.241

  • A integração de séries temporais e processos estocásticos é fundamental para compreender mecanismos.241


22.11 Diagrama acíclico direcionado (DAG)


22.11.1 O que são DAGs?

  • DAGs são representações gráficas de relações causais entre variáveis, usando nós (variáveis) e arestas direcionadas (relações causais).REF?

  • DAGs ajudam a identificar confundidores, mediadores e colisores, orientando a seleção de variáveis para ajuste em análises estatísticas.REF?

  • DAGs são acíclicos, ou seja, não permitem ciclos ou loops, refletindo a natureza unidirecional das relações causais.REF?


22.11.2 Quais são os padrões causais básicos?

  • Independência: duas variáveis não têm relação causal direta ou indireta.REF?

  • Cadeia: uma variável causa outra, que por sua vez causa uma terceira (X → M → Y).REF?

  • Garfo: uma variável causa duas outras (X ← Z → Y), onde Z é um confundidor.REF?

  • Colisor: duas variáveis causam uma terceira (X → Z ← Y), onde Z é um colisor.REF?





Padrões causais básicos: independência, cadeia, garfo e colisor.

Figura 22.1: Padrões causais básicos: independência, cadeia, garfo e colisor.



Citar como:
Ferreira, Arthur de Sá. Ciência com R: Perguntas e respostas para pesquisadores e analistas de dados. Rio de Janeiro: 1a edição,


Referências

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